Audiência na ALBA discute avanço do diabetes e desafios na prevenção


A epidemia silenciosa do diabetes foi tema de debate na manhã desta terça-feira (11), em audiência pública na Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA). Proposto pelo deputado José de Arimateia (Republicanos) e promovido pela Comissão de Saúde e Saneamento, o encontro reuniu especialistas e profissionais de saúde que chamaram atenção para o avanço da doença e seus impactos crescentes sobre o sistema público. O presidente da Comissão de Saúde, deputado Alex da Piatã (PSD), também participou da audiência.

A palestra principal foi conduzida pela diretora e fundadora do Centro de Diabetes e Endocrinologia da Bahia (Cedeba), Reine Marie Chaves Fonseca, que citou o “Novembro Azul”, mês de conscientização sobre o diabetes, criado em 1991 pela Federação Internacional de Diabetes e reconhecido oficialmente pela ONU em 2006. “O Novembro Azul é, originalmente, o mês do diabetes, e não da próstata, como muitos pensam”, destacou a médica, ao lembrar que o dia 14 de novembro celebra o nascimento de Frederick Banting, descobridor da insulina.

Reine explicou que o Cedeba intensifica, durante todo o mês, ações educativas e de mobilização social com o objetivo de alertar a população sobre hábitos saudáveis e a importância do diagnóstico precoce. O tema deste ano, “Diabetes e bem-estar no trabalho”, busca conscientizar sobre os direitos das pessoas com diabetes e a necessidade de ambientes laborais que favoreçam o autocuidado.

Em entrevista ao final do evento, Arimateia ressaltou a importância do debate e a urgência de ações efetivas. “Foi muito importante ouvir as explanações dos profissionais que estiveram aqui. Precisamos fazer alguns encaminhamentos, como a ampliação do Cedeba e do Cepred (Centro de Prevenção e Reabilitação de Deficiências), que são instituições que atendem pacientes com diabetes. Além disso, é fundamental conscientizar a população nas escolas, com políticas de prevenção e campanhas de informação”, afirmou.

Durante sua apresentação, Reine Fonseca ressaltou o crescimento alarmante da doença no Brasil e no mundo. “Já temos um em cada 10 adultos com diabetes e um em cada três acima dos 65 anos. Estima-se que entre 16 e 20 milhões de brasileiros convivam com a doença, e cerca de 32% não sabem que são diabéticos”, afirmou. O país, acrescentou, ocupa hoje a sexta posição mundial em número de pessoas com diabetes.

Ela alertou ainda para o aumento dos casos de pré-diabetes, condição que pode atingir até 17% da população adulta e evoluir rapidamente para a forma crônica da doença. “A progressão do pré-diabetes para o diabetes é de 5 a 10% ao ano. Em cinco anos, metade dos pacientes desenvolve a doença”, explicou. Os impactos sobre a saúde pública são expressivos. “O diabetes é a quarta causa de morte precoce no país e a principal causa de amputações de membros inferiores e de cegueira. Também responde por grande parte dos casos de insuficiência renal e diálise”.

A diretora do Cedeba destacou, no entanto, que a prevenção é possível e deve ser prioridade nas políticas públicas. “Temos a oportunidade de atuar antes da doença, com estímulo à alimentação saudável e atividade física, e também de prevenir complicações quando o diagnóstico já foi feito”, defendeu.

Reine também detalhou a trajetória e o papel do Cedeba, fundado em 1994 e referência estadual no atendimento a pacientes com diabetes e doenças endócrinas. “Começamos no Hospital Roberto Santos, depois fomos para o Rio Vermelho e hoje estamos sediados no Centro de Atenção à Saúde (CAS). São 31 anos de trabalho ininterrupto, sempre com foco técnico e sem interferência política”, afirmou, lembrando o apoio decisivo do senador Otto Alencar (PSD) na criação do centro.

Atualmente, o Cedeba realiza cerca de 8 mil consultas mensais, oferece 35 medicamentos para 20 patologias endócrinas e mantém uma estrutura multiprofissional com médicos, nutricionistas, psicólogos, enfermeiros, fisioterapeutas e assistentes sociais. O centro também coordena programas de educação em saúde, caravanas temáticas, teleconsultorias, capacitação de profissionais da atenção básica e ações de ensino e pesquisa que formam especialistas para todo o país.

“O Cedeba é hoje a segunda residência mais procurada do Brasil na formação de endocrinologistas e referência também em programas multiprofissionais”, destacou. Ela informou que o centro já capacitou quase 100% dos municípios baianos em ações de prevenção e tratamento do diabetes, em parceria com a Escola Estadual de Saúde Pública.

AÇÕES E DESAFIOS EM SALVADOR

Representando a Prefeitura de Salvador, a enfermeira Manuela Maciel Souza, do campo de doenças crônicas não transmissíveis, ressaltou os desafios da gestão municipal no enfrentamento do diabetes e de outras doenças associadas. “É um grande desafio trabalhar com diabetes por conta de como a sociedade está estruturada. Para prevenir, precisamos enfrentar o sobrepeso, a obesidade e garantir acesso à alimentação saudável”, afirmou.

Segundo ela, os inquéritos de vigilância apontam que a população tem consumido cada vez mais alimentos ultraprocessados, enquanto o consumo de frutas, verduras e hortaliças vem caindo. “Nossa população também está se exercitando menos. Precisamos fortalecer a atenção primária e ampliar o acesso à educação e à alimentação saudável”, completou.

Manuela enfatizou a importância de analisar os indicadores sob o recorte de raça, cor e classe social, pois as desigualdades influenciam fortemente o acesso ao cuidado. “As pessoas pretas e pardas são as que mais adoecem e morrem. Cerca de 80% dos casos graves estão entre essa população. Precisamos discutir o racismo como determinante social da saúde e enfrentar as desigualdades que afetam o acesso à educação e à renda”, pontuou.

O PÉ DIABÉTICO

A enfermeira Marines Marques, especialista em lesões de pele e feridas complexas, também participou da audiência e reforçou a urgência de implantar uma política nacional de tratamento de feridas complexas e pé diabético. Segundo ela, essa política começou a ser discutida há seis anos e avançou em 2019, com a Portaria nº 51 da Secretaria da Saúde da Bahia, que definiu critérios de adesão dos municípios à linha de cuidado das pessoas com feridas complexas, mas ainda precisa avançar muito.

“A maioria dos pacientes com diabetes que são internados chega ao hospital por infecção, sepse ou descompensação da doença. Mas a porta de entrada quase sempre é uma lesão. Muitos têm dificuldade de enxergar por causa da retinopatia diabética e acabam se ferindo sem perceber. Um simples corte no pé pode evoluir para uma amputação”, relatou.

Marines destacou que o tratamento desses pacientes é caro e prolongado. “Um paciente diabético com lesão de pele pode ficar de 25 a 35 dias internado, e o custo de um leito hospitalar de UTI pode chegar a R$ 2.700 por dia. E muitas vezes ele precisa de antibióticos de uso sistêmico, internação em UTI e, em grande parte dos casos, passa por amputação”, lamentou.

Para a enfermeira, o problema poderia ser reduzido com salas de avaliação do pé diabético em policlínicas e unidades básicas. “Isso está previsto em portaria, mas ainda não foi implantado. Cada centro de referência deveria ter equipe multiprofissional, com enfermeiro, cirurgião vascular e endocrinologista, o que reduziria muito o número de internações e amputações”, afirmou.

Marines apontou o subfinanciamento da atenção básica como um dos maiores entraves para o avanço das políticas públicas. “As unidades de saúde muitas vezes têm apenas o básico para curativos, como iodo e pomadas. Como usar alta tecnologia na cicatrização sem recursos? É por isso que defendemos uma política nacional com verba própria”, argumentou.

Ao final do encontro, José de Arimateia apresentou uma série de encaminhamentos. Um deles foi transformar em indicação a proposta da diretora do Cedeba de criação do selo “Hospital Amigo do Diabetes”, que pretende reconhecer as unidades de saúde que se destaquem pela capacitação das equipes e pela adoção de protocolos de atendimento qualificado a pacientes diabéticos. Outra proposta que será transformada em indicação pelo deputado é a ampliação do Cedeba. O objetivo é expandir a capacidade de atendimento e descentralizar os serviços.



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